História De Israel – Teologia 31.212
CAPÍTULO 11
MARIANA RECEBE HERODES COM FRIEZA, A QUAL, UNIDA ÀS CALÚNIAS
DA
MÃE E DA IRMÃ DO PRÍNCIPE, A TERIA LEVADO À MORTE, MAS
HERODES É
OBRIGADO A VOLTAR PARA JUNTO DE AUGUSTO. HERODES MATA
MARIANA
QUANDO REGRESSA. COVARDIA DE ALEXANDRA, MÃE DE MARIANA.
DESESPERO DE HERODES APÓS A MORTE DE MARIANA. ELE ADOECE
GRAVEMENTE. ALEXANDRA PROCURA APODERAR-SE DAS DUAS
FORTALEZAS DE
JERUSALÉM. ELE A MATA, BEM COMO A COSTOBARO E ALGUNS OUTROS.
EM
HONRA DE AUGUSTO, ESTABELECE JOGOS E ESPETÁCULOS, IRRITANDO
A MAIOR
PARTE DOS JUDEUS, E DEZ DELES TENTAM MATÁ-LO. CONSTRÓI
DIVERSAS
FORTALEZAS E RECONSTRÓI SOBRE AS RUÍNAS DE SAMARIA UMA BELA
E
FORTÍSSIMA CIDADE, A QUE CHAMA SEBASTE.
652. Herodes, na
volta ao seu reino, em vez de desfrutar a doçura da paz ou um descanso
tranqüilo, encontrou apenas perturbação em sua própria família, pelo
descontentamento de Mariana e de Alexandra. Elas julgavam, com razão, que não
era para cuidar de sua segurança que ele as encerrara naquele castelo, e sim
para mantê-las prisioneiras, pois não tinham liberdade para dispor do que quer
que fosse. Mariana, além disso, estava convencida de que o grande amor que ele
lhe demonstrava era simulação, que ele apenas a julgava útil aos seus
interesses. Como sempre se recordava da ordem que ele dera a José, pensava
nisso com horror, pois, mesmo que ele viesse a morrer, ela não esperava
continuar vivendo depois da morte dele. Assim, não havia meios que ela não
empregasse para conquistar os guardas, particularmente Soeme, de quem ela sabia
que dependia a sua morte ou a sua vida.
No começo, ele era muito fiel a Herodes, mas pouco a pouco
os presentes e a cordialidade das princesas o conquistaram. Ele não imaginava
que Herodes, mesmo evitando o perigo que o ameaçava, viesse a conquistar tão grande
autoridade. Julgava também que podia esperar mais das princesas do que dele e
que a gratidão que elas lhe demonstravam por tão grande serviço o manteria não
somente na estima em que se achava, mas aumentaria ainda o seu prestígio. E,
ainda que sucedesse a Herodes tudo o que este poderia desejar, a sua incrível
paixão por Mariana o tornaria onipotente. Tantas considerações, juntas,
levaram-no a revelar às princesas o segredo que lhe fora confiado. Mariana
ficou fora de si de despeito e de cólera ao ver que os males que ela devia
temer não tinham limites, e fazia continuamente votos de que tudo fosse
contrário a Herodes. Nada agora lhe parecia mais insuportável que passar a vida
com ele, e esses sentimentos fizeram tal impressão em seu espírito que ela já
não os podia dissimular.
653. Os resultados da
viagem sobrepujaram as esperanças de Herodes, e a primeira coisa que ele fez ao
chegar foi procurar Mariana, para abraçá-la e dizer-lhe que ela era a pessoa a
quem mais ele amava no mundo e que a amava ainda mais e para contar de que modo
tudo lhe havia sucedido maravilhosamente. Enquanto ele falava, ela ficou sem
saber se devia alegrar-se ou afligir-se, mas a sua extrema sinceridade não lhe
permitia ocultar a agitação de seu espírito, e os seus suspiros faziam ver que
aquelas palavras lhe davam mais tristeza que alegria.
Herodes então não pôde mais duvidar do que ela trazia na
alma: uma aversão tão patente que ele a percebeu em seguida. E o seu excessivo
amor por ela tornava aquele desprezo insuportável. Ao mesmo tempo, contudo, a
sua cólera era de tal modo combatida pelo afeto que ele passava do ódio ao amor
e do amor ao ódio. Assim, hesitando entre as duas paixões, não sabia que
partido tomar, pois, ao mesmo tempo em que desejava matá-la, para vingar-se daquela
ingratidão, sentia em seu coração que a morte dela o tornaria o mais infeliz de
todos os homens.
654. Quando a mãe e a irmã de Herodes, que odiavam
mortalmente Mariana, viram-no sob aquela agitação, julgaram ter encontrado uma
ocasião mais que favorável para destruí-la. Não houve calúnias de que não se
servissem para aumentar a irritação do príncipe e inflamar cada vez mais os
seus ciúmes. Eles as escutava e demonstrava não reprovar que elas falassem
contra Mariana, mas não se resolvia a matar uma pessoa a quem ele amava mais
que a própria vida. No entanto irritava-se contra ela cada dia mais, e ela, por
sua vez, não dissimulava os seus sentimentos. Por fim, o amor dele
transformou-se em ódio, e ele teria então executado a sua cruel resolução, não
fosse a notícia de que Augusto se tornara senhor do Egito pela morte de Antônio
e de Cleopatra.
Essa notícia obrigou-o a deixar tudo para ir procurá-lo.
Recomendou Mariana a Soeme com grandes demonstrações de satisfação, pelo
cuidado que tivera dela, e deu a ele um governo na Judéia. Como já havia
adquirido muita familia-ridade com Augusto e tinha parte na sua amizade,
Herodes recebeu dele não somente honras, mas grandes benefícios. Augusto
deu-lhe quatrocentos gauleses que serviam de guardas a Cleopatra e entregou-lhe
aquela parte da judéia que Antônio entregara a ela, bem como as cidades de
Gadara, Hipona e Samaria e, à beira-mar, Gaza, Antedom, Jope e a torre de
Estratão, o que aumentou em muito o seu reino.
655. Herodes
acompanhou Augusto até Antioquia e, quando voltou a Jerusalém, sentiu que o seu
casamento, que antes considerava a sua maior felicidade, o tornava agora tão
infeliz em seu próprio reino quanto era bem-sucedido fora de sua pátria. Ele
amava tão ardentemente Mariana que não se lê em história alguma que outro homem
tenha sido mais arrebatado que ele por um amor ilegítimo a sua própria mulher.
A princesa, não obstante ser extremamente sensata e muito casta, era de mau
gênio e abusava de tal modo da paixão que ele sentia por ela que o tratava às vezes
com desprezo, chegando mesmo a ofensas, sem teimem consideração o respeito que
lhe era devido.
Ele dissimulava, no entanto, e sofria mesmo as censuras que
ela fazia a sua mãe e a sua irmã pela baixeza do nascimento delas, causa do
ódio irreconciliável que as levou a usar de tantas acusações falsas para
arruiná-la. E assim, os ânimos acirravam-se cada vez mais, e um ano passou-se
desse modo depois que Herodes retornou da visita a Augusto. Mas, por fim, o
desígnio que ele vinha alimentando desde muito tempo em seu espírito chegou ao
seu termo, pelo motivo que passo a expor.
Um dia, Herodes retirou-se para o seu quarto, a fim de
descansar, pelo meio-dia, e mandou chamar Mariana, a quem ele não conseguia
deixar de amar com paixão. Ela veio. No entanto, por mais instâncias que ele
lhe fizesse, ela não quis aproximar-se dele e censurou-o ainda pela morte de
seu pai e de seu irmão. Essas palavras ofensivas, bem como o desprezo dela,
irritaram Herodes de tal modo que ele foi tentado a feri-la. Salomé, ao saber do
que se passara, fez entrar no quarto um criado do príncipe. O homem, que ela
havia subornado, instruído por ela disse que a rainha lhe oferecera uma grande
recompensa para levar ao rei certa bebida. Herodes, perturbado por essas
palavras, perguntou-lhe que bebida era. O criado respondeu-lhe que a rainha não
lhe dera o que colocar dentro da taça, queria somente que a apresentasse. E,
como ignorava a força daquela poção, julgara seu dever advertir sua majestade.
Tal resposta aumentou ainda mais a perturbação de Herodes.
Então ele mandou torturar um eunuco de Mariana, que ele sabia ser-lhe muito
fiel, pois não duvidava de que ela lhe confiasse tudo. O homem nada confessou,
mas deixou escapar dos lábios, no meio dos tormentos, que o ódio de Mariana
provinha do que ela soubera por meio de Soeme. Diante dessas palavras, Herodes
disse que Soeme, antes tão fiel, jamais lhe teria revelado o segredo se não
tivesse abusado de Mariana e ao mesmo tempo mandou matar Soeme.
Quanto à rainha, quis submetê-la a julgamento. Reuniu para
isso os conselheiros nos quais ele mais confiava e ordenou a Mariana que se
defendesse. Acusou-a do falso crime de tentar dar-lhe uma bebida para
envenená-lo. E, em vez de se manter nos limites da moderação, como convém a um
juiz, falou com tanta veemência e fúria que os outros juizes não tiveram
dificuldade em lhe conhecer a intenção, e eles condenaram à morte a inocente
princesa. No entanto julgaram — e ele também foi da mesma opinião — que não se
devia apressar a execução, que era preferível aprisioná-la no palácio. Porém,
Salomé e os de seu partido, não podendo tolerar qualquer demora, procuraram por
todos os meios mudar essa deliberação, e uma das mais fortes razões de que-se
serviram para persuadir Herodes foi o temor que ele devia ter de que o povo se
sublevasse, caso viessem a saber que a rainha ainda estava viva. Assim,
levaram-na imediatamente ao suplício.
Alexandra, julgando que não seria tratada com mais
benignidade que a filha, esqueceu, por vergonhosa mudança, a coragem de que até
então sempre dera provas e mostrou-se tão fraca e covarde quanto antes fora
altiva. Assim, para insinuar que não tivera parte no crime da filha, tratou-a
ultrajosamente na presença de todos. Dizia que ela era má, ingrata e indigna do
extremo amor que o rei lhe dedicara e sofria o que merecia tão grande crime.
Falando assim, parecia querer ela mesma lançar-se sobre a filha e arrancar-lhe
os cabelos. Não houve quem não condenasse essa covarde dissimulação. Mariana,
mais que todos, com o seu silêncio, tampouco se comoveu com tais injúrias e nem
se dignou responder-lhe, mas contentou-se em mostrar no rosto, com a coragem de
costume, a vergonha que sentia por tal baixeza. E, sem demonstrar o menor medo,
nem ao menos mudando de cor, manifestou até a morte a mesma coragem que havia
demonstrado durante toda a sua vida.
656. Assim terminou a sua existência essa princesa tão casta
e corajosa, porém muito altiva e de natureza muito áspera. Sobrepujava
infinitamente em beleza, em majestade e em graça todas as outras mulheres de
sua época, e tantas e tão raras qualidades foram a causa de sua infelicidade,
pois, vendo o rei seu marido tão apaixonado por ela, julgou que nada tinha a
temer, perdeu o respeito que lhe devia e não teve receio de confessar o
ressentimento que conservava por ter ele mandado matar o seu pai e o seu irmão.
Semelhante imprudência tornou também a mãe e a irmã do soberano adversárias
suas e por fim obrigou ele mesmo a tornar-se também seu inimigo.
657. Por mais
violenta que fosse a paixão de Herodes por Mariana durante a vida, e o que
referimos nô-lo mostra suficientemente, ela aumentou após a sua morte. Ele não
a amava como os outros maridos amam a suas esposas, mas chegava quase à
loucura. E, por mais estranha a maneira como ambos viveram, ele não conseguia
deixar de amá-la. Depois que ela já não era deste mundo, parecia-lhe que Deus
exigia dele o sangue da mulher. Ele ouvia a todo instante pronunciarem o nome
dela. Lamentava-se de maneira indigna da sua condição de rei e buscava em vão
nos banquetes e nos outros divertimentos algum alívio para o seu sofrer. Chegou
o seu penar a tal excesso que ele abandonou o cuidado do reino. E ordenava que
fossem chamar Mariana como se ela ainda estivesse viva.
Vivia ele nesse estado jjuando sobreveio uma horrível peste,
que ceifou não somente grande parte do povo, mas várias pessoas da nobreza.
Todos consideraram esse terrível mal uma justa vingança de Deus pelo crime
cometido na injusta condenação de Mariana. Esse acréscimo de sofrimento acabou
por abater completamente Herodes, que se abandonou ao desespero e foi
esconder-se no deserto, sob o pretexto de ir à caça. Depois caiu doente, com
uma inflamação e uma dor de cabeça tão violenta que lhe perturbou o juízo. Os
remédios só serviam para aumentá-la, e os médicos, vendo a obstinação do mal,
bem como a do doente, que queria governar-se por si mesmo, sem lhes permitir um
tratamento segundo as regras da medicina, foram obrigados a abandoná-lo à sorte
de sua enfermidade e quase perderam a esperança de lhe salvar a vida. Ele então
estava em Samaria, que agora se chama Sebaste.
658. Quando Alexandra, que estava em Jerusalém, soube que
ele corria tão grande perigo, fez todos os esforços possíveis para se apoderar
das duas fortalezas, uma das quais estava na cidade, e outra, perto do Templo.
Porque, se conseguisse tomá-las, seria também, de certo modo, dona de todo o
país, visto que não se poderia, sem o seu consentimento, oferecer sacrifícios a
Deus, e os judeus são tão apegados à sua religião que preferem os deveres aos
quais ela obriga à própria vida.
Assim, Alexandra insistiu com os comandantes dessas
fortalezas que as entregassem a ela e aos filhos de Herodes e Mariana.
Disse-lhes que, se ele viesse a faltar, não era justo que elas caíssem em poder
de outra família e, se ele sarasse, ninguém melhor para possuí-las que os seus
próprios parentes. Mas essas razões não os convenceram, tanto porque havia
muito tempo eram fiéis e bastante afeiçoados ao rei, não tendo perdido a
esperança de sua saúde, quanto pelo ódio que sentiam por Alexandra. Um deles,
de nome Aquiabe, que era sobrinho de Herodes, mandou com urgência avisar o rei
das intenções de Alexandra, e este ordenou imediatamente que a matassem.
659. Por fim, o soberano, com grande dificuldade,
restabeleceu-se de sua doença. Mas as forças refeitas do corpo e do espírito
tornaram-no tão colérico e tão violento que não havia crueldade a que não fosse
levado, pelo menor motivo. Não poupou nem mesmo os seus mais íntimos amigos:
mandou matar Costobaro, Lisímaco, Gadias, cognominado Antípatro, e Doziteu,
pelo motivo que vou dizer agora.
Costobaro era oriundo de uma das mais importantes famílias
da Iduméia, e os seus antepassados haviam sido sacerdotes de Cosas, que era o
deus que esses povos adoravam com grande veneração, antes de Hircano obrigá-los
receber a religião dos judeus. Herodes, logo que foi feito rei, deu a Costobaro
o governo da Iduméia e de Gaza e o fez desposar Salomé, sua irmã, depois de
haver matado José, seu primeiro marido, como dissemos. Quando se viu elevado a
tamanha grandeza, a qual jamais ousaria pretender, Costobaro tornou-se tão
altivo que não quis mais tolerar a submissão a Herodes, e julgava que era
vergonhoso aos idumeus reconhecê-lo por rei, por terem as mesmas leis que os
judeus. Assim, mandou dizer a Cleópatra que, tendo sido a Iduméia sempre
sujeita aos seus predecessores, ela podia com justiça pedir a Antônio que desse
a ele essa terra, e por isso estaria pronto a obedecer-lhe. Não que ele
preferisse estar sob a dominação de Cleópatra, mas queria diminuir o poder de
Herodes, para mais facilmente tornar-se senhor da Iduméia. Ele se comprazia na
esperança de obtê-lo, tanto pelo esplendor de sua família quanto pelas suas
grandes riquezas. Depois de fazer esses projetos, não houve meios baixos ou
ignominiosos de que ele não se servisse para ajuntar dinheiro.
Cleópatra fez todos os esforços possíveis junto de Antônio,
mas inutilmente. Herodes teria logo mandado matar Costobaro, se os rogos de sua
mãe e de sua irmã não o tivessem impedido. Contentou-se em não ter mais nenhuma
confiança nele. Costobaro teve depois uma séria divergência com Salomé, sua
mulher, e ela mandou-lhe o libelo do divórcio, contra o costume de nossas leis,
que permitem esse ato somente aos maridos e não consentem nem mesmo às mulheres
repudiadas tornar a casar-se sem a licença deles. Ela, porém, fez com a sua
própria autoridade o que não tinha direito de fazer e foi em seguida procurar o
rei seu irmão. Disse-lhe que o afeto por ele a obrigara a abandonar o marido,
pois descobrira que conspirava contra ele, juntamente com Antipatro, Lisímaco e
Doziteu. E, como prova do que dizia, acrescentou que ele retinha havia doze
anos os filhos de Babas, a quem havia salvo a vida, o que era verdade.
Essas palavras deixaram Herodes muito surpreendido porque
outrora deliberara matá-los, como eternos inimigos, mas o tempo o fizera
esquecer tudo. A causa desse ódio contra eles vinha desde quando ele sitiava
Jerusalém, sob o reinado de Antígono. A maior parte do povo queria abrir-lhe as
portas, cansados dos males que aqueles cercos os faziam sofrer. Os filhos de
Babas, porém, que tinham muita autoridade e eram muito fiéis a Antígono,
opuseram-se a isso, persuadidos de que era muito mais vantajoso para a nação
ser governada por príncipes da família real que por Herodes. Depois que ele
tomou a cidade, deu ordem a Costobaro para vigiar as saídas, a fim de impedir a
fuga dos que lhe eram contrários. Mas Costobaro, conhecendo o prestígio dos
filhos de Babas entre o povo, julgou muito útil conservá-los, para deles se servir,
caso houvesse no futuro alguma mudança. Assim, deixou-os escapar, mandando-os
para as suas terras.
Herodes desconfiara disso, mas Costobaro declarou com tanta
firmeza e com juramento não saber que fim haviam eles levado que a suspeita se
dissipou de seu espírito. Depois, fez tudo para encontrá-los. Mandou publicar a
som de trombetas que daria grande recompensa a quem lhe indicasse onde eles
estavam, mas Costobaro nada confessou porque, tendo uma vez negado sabê-lo, foi
obrigado a mantê-los escondidos, não tanto pelo afeto que lhes dedicava, mas
por seu próprio interesse. Logo que Herodes veio a sabê-lo, por meio de sua
irmã, mandou buscá-los onde estavam escondidos e mandou matar todos eles, bem
como aos que ele julgava culpados do mesmo crime, a fim de que, não ficando nem
um sequer da descendência de Hircano, ninguém mais ousasse resistir à sua
vontade, por mais injusta que fosse.
660. Assim, Herodes, com poder absoluto e plena liberdade
para fazer o que queria, não teve receio de se afastar cada vez mais das
tradições de nossos antepassados. Aboliu os nossos antigos costumes, que lhe
deveriam ser invioláveis, para introduzir outros, trazendo assim uma estranha
mudança na disciplina que mantinha o povo no cumprimento do dever. Começou por
instituir jogos, lutas e corridas, que se faziam cada cinco anos em honra de
Augusto, e mandou construir para esse fim um circo em Jerusalém e um grande
anfiteatro fora da cidade. Esses dois edifícios eram soberbos, mas contrários
aos nossos costumes, que não nos permitem assistir a semelhantes espetáculos.
Como ele queria tornar célebres esses jogos, mandou
publicá-los não somente nas províncias vizinhas, mas também nos lugares mais
afastados, com a promessa de grandes recompensas para os vencedores. Vieram
então de todas as partes os candidatos à luta e às corridas, músicos tocadores
de toda espécie de instrumentos, homens peritos em corridas de carros com uma
parelha de cavalos, com duas, três e até quatro. Outros corriam em cavalos
muito velozes. Nada se podia acrescentar à magnificência e aos cuidados que
Herodes usava para tornar esses espetáculos os mais belos e agradáveis do
mundo.
O circo era rodeado de inscrições em louvor a Augusto e de
troféus das nações que ele tinha vencido. Havia ouro e prata, ricos vestuários
e pedras preciosas. Mandou também vir de todas as partes grande quantidade de
animais ferozes, como leões e outros animais, cuja força extraordinária ou
alguma qualidade rara suscitava admiração e curiosidade. Fazia-os lutar uns
contra os outros e, às vezes, com homens condenados à morte. Tais espetáculos
não causavam menos prazer que admiração aos estrangeiros. Mas os judeus o
consideravam uma deturpação e uma corrupção da disciplina de seus antepassados.
Nada lhes parecia mais ímpio que expor homens ao furor das feras por um prazer
tão cruel ou abandonar os santos costumes para abraçar os de nações idolatras.
Os troféus, que lhes pareciam cobrir figuras de homens, não lhes eram menos
insuportáveis, porque violavam inteiramente as nossas leis.
Herodes, vendo-os com esses sentimentos, julgou não dever
usar de violência. Falou-lhes com muita afabilidade, procurando fazê-los
compreender que aquele temor procedia apenas de uma vã superstição. Mas não
conseguiu persuadi-los. Convictos de que ele cometia um gravíssimo pecado,
declararam que, ainda que tolerassem o resto, não permitiriam jamais em suas
cidades imagens ou figuras de homens, porque a sua religião o proibia
expressamente. Herodes facilmente concluiu, por essas palavras, que o único
meio de acalmá-los era livrá-los daquele engano. Levou alguns deles ao circo,
mostrou-lhes vários troféus e perguntou-lhes o que pensavam que eram. Eles
responderam que eram figuras de homens. Então ele mandou tirar todos os
ornamentos, restando apenas os cabides sobre os quais estavam pendurados. Todos
acharam graça, e o tumulto acalmou-se.
Quase todos vieram a tolerar com facilidade o resto, mas
alguns não mudaram os seus sentimentos nem a sua opinião. O horror que tinham
aos costumes estrangeiros lhes fazia crer que não podiam ser introduzidos sem
prejuízo das tradições de nossos antepassados e sem causar a ruína da nação.
Assim, não consideraram mais Herodes seu rei, e sim um inimigo. E resolveram
antes expor-se a qualquer coisa que tolerar tão grande mal.
661. Dez dentre eles, desprezando a gravidade do perigo,
esconderam punhais sob as vestes e, fortalecidos em seu desígnio por um cego,
que não podia ter parte na ação mas quisera expor-se ao risco que eles corriam,
foram ao teatro, certos de que o rei não faltaria, pois de nada desconfiava, e
eles o atacariam todos de uma vez. Se viessem a falhar, pelo menos matariam
muitos dos que o acompanhavam e morreriam com a consolação de torná-lo odioso
ao povo por ter violado as leis e de ao mesmo tempo mostrar a outros o caminho
para a realização de uma justa empresa. Herodes, porém, tinha vários espiões,
que tudo observavam, e um deles descobriu a trama. Ele acreditou nela
facilmente, porque sabia do ódio que lhe votavam e do que este é capaz. Então
retirou-se ao palácio e mandou prender os conjurados, que, não se podendo
salvar, se entregaram sem resistência.
A coragem deles tornou-lhes a morte gloriosa, pois não
demonstraram o menor temor nem negaram o seu intento. Com rosto firme e
tranqüilo, mostraram os punhais que haviam preparado para executar o crime e
declararam que a piedade e o bem público os levara a empreendê-lo, para
conservar as leis de seus antepassados, pois não há homem de bem que não deva
preferi-las à própria vida. Depois de terem assim falado, morreram com a mesma
firmeza, em meio aos tormentos que Herodes os fez sofrer. O ódio que o povo
então concebeu contra o delator foi tão intenso que não se contentaram em
matá-lo: picaram-no em pedaços e o deram a comer aos cães, sem que nenhum judeu
fosse acusá-los. Herodes, após cuidadosa indagação, descobriu os autores por
meio de mulheres — a violência dos tormentos obrigou-as a confessar.
662. Herodes mandou matá-lo*s, com suas famílias, mas vendo
que o povo se obstinava cada vez mais em defender os seus costumes e as suas
leis e que aquilo os levaria a uma revolta se ele não empregasse os meios mais
violentos para reprimi-los, decidiu fazê-lo. Assim, além das duas fortalezas
que havia em Jerusalém, uma no palácio real, onde ele morava, e outra de nome
Antônia, que estava perto do Templo, ele mandou fortificar Samaria porque,
estando longe de Jerusalém apenas um dia, podia impedir as rebeliões tanto na
cidade quanto no campo. Fortificou também de tal modo a torre de Estratão, a
que chamou de Cesaréia, que ela parecia dominar todo o país.
Construiu um castelo no lugar chamado O Campo, onde colocou
uma guar-nição de cavalaria, cujos soldados eram indicados por sorte. Construiu
outro em Gabara da Galiléia e outro, de nome Estmonita, na Peréia. Essas
fortalezas, dispostas nos lugares mais convenientes para os fins a que ele as
destinava e nas quais colocou fortes guarnições, tiraram ao povo, tão inclinado
à revolta, todos os meios de se sublevar, porque ao menor sinal de agitação
aqueles que estavam encarregados de vigiar a impediam logo ou a sufocavam
apenas iniciada.
Como ele tinha intenção de reconstruir Samaria, cuja posição
a fazia vantajosa e forte, porque estava sobre uma colina, mandou lá construir
um Templo, colocou um grande corpo de tropas estrangeiras e das províncias
vizinhas e mudou-lhe o nome para Sebaste. Dividiu entre os habitantes as terras
da vizinhança, as quais eram muito férteis, a fim de logo deixá-los bem à
vontade para que o lugar se povoasse rapidamente. Rodeou-a de fortes muralhas,
e assim aumentou e lhe fortificou o perímetro, que era de vinte estádios,
tornando-a comparável às maiores cidades. Fez no meio dela uma espaçosa praça,
que media um estádio e meio, e construiu um Templo soberbo. Trabalhou
continuamente e de todos os modos para tornar célebre a cidade, porque ele
considerava a força necessária à segurança e à beleza, um monumento à sua
grandeza e magnificência, que conservaria a memória de seu nome através dos
séculos.
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine
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