Hamartiologia - Teologia 27.21
Capítulo 4
Existência e Definições do Pecado
Como pode existir o mal, se Deus é onipotente e
totalmente bom? Esta pergunta, juntamente com a questão correlata a respeito da
origem do mal, é o fantasma que assombra todas as tentativas de se compreender
o pecado. Antes de continuarmos este estudo, façamos uma distinção entre
algumas formas do mal. O mal moral - ou pecado - é a iniqüidade cometida por
criaturas dotadas de vontade. (O mal natural é a desordem e decadência do
Universo) (calamidades naturais, algumas doenças etc.). Está ligado à maldição
que Deus pronunciou contra a terra (Gn 3.17,18). O mal metafísico é aquele
involuntário, resultante da finitude das criaturas (insuficiência mental e
física etc.).
A Bíblia afirma a perfeição moral de Deus (Sl
100.5; Mc 10.18) e o seu poder Mt 19.26). Foi Ele só quem criou (Gn 1.1, 2; Jo
1.1-3), e tudo quanto Ele criou era bom (Gn 1; Ec 7.29). Ele não criou o mal, a
que odeia (Sl 7.11; Rm 1.18). Ele não tenta, nem é tentado (Tg 1.13). Apesar
disso, dois textos bíblicos que parecem contradizer esse fato devem ser
considerados. Isaías 45.7 diz que Deus cria o mal (ARC). Mas ra' (“mal”) também
possui um sentido que nada tem que ver com a moralidade (Gn 47.9) ou
apresenta-se como antônimo de “paz” (Am 6.3). Pode significar também “desventura”,
“calamidade”, “desgraça”, palavras que neste contexto são boas traduções. Deus,
portanto, traz o julgamento moral, mas não o mal imoral.
O fato de Deus endurecer ou cegar as pessoas
também levanta dúvidas. Pode tratar-se de uma “entrega” passiva em que Deus simplesmente
deixa as pessoas viverem conforme desejam (Sl 81.12; Rm 1. 18-28; 1Tm 4-1,2) ou
uma imposição ativa de endurecimento a pessoas que já assumiram um compromisso
irrevogável com o mal (Êx 1.8-15,21; Dt 2.30; Js 11.20; Is 6.9,10; 2Co 3.14,15;
Ef 4.17-19; 2Ts 2.9,12).
Observe o exemplo de Faraó (Êx 1.8-15,21). Ele
não foi criado com o propósito de ser endurecido (o que pode sugerir uma
leitura superficial de Romanos 9.17: “... te levantei”). O verbo hebraico 'amad
e seu equivalente na Septuaginta (LXX), diatereõ (Êx 9.16), referem-se a
posição ou categoria (e não à criação), fato este que está dentro do alcance
semântico de exegeirõ (Rm 9.17). Faraó já mereceu o castigo divino quando
rejeitou a petição de Moisés pela primeira vez (Êx 5.2). Deus, porém, o
preservou, para ser glorificado através do rei egípcio. Inicialmente, Deus
apenas predisse o endurecimento do coração de Faraó (Êx 4.21, heb. 'achazzeq,
“tornarei forte”; Êx 7-3, heb. 'aqsheh, “tornarei pesado”, ou seja, difícil de ser
movido). Antes de Deus agir, no entanto, Faraó endureceu seu próprio coração
(implicitamente, Êx 1.8-22; 5.2; e explicitamente, Êx 7.13,14). O coração de
Faraó “endureceu-se” (literalmente “tornou-se forte”), aparentemente um modo de
reagir ao milagre que removeu a praga, e Deus disse que o coração de Faraó não
cedia (heb. Kavedh, “estar pesado”, Êx 7.22,23; 8.15,32; 9.7). Faraó, então,
continuou o processo (Êx 9.34,35) com a ajuda e Deus (Êx 9.12; 10.1,20,27;
11.10; 14.4,8,17).
Esse sistema está explícito em outros casos ou é
compatível com eles e com a santa justiça de Deus (Rm 1.18). Por isso Deus pode
acelerar a pecaminosidade deliberada, visando seus próprios propósitos (Sl
105.25), mas os pecadores continuam arcando com a responsabilidade (Rm 1.20).
Deus não criou o mal, porém realmente criou tudo
que existe. Assim, o mal não pode ter uma existência independente. O mal é a
ausência ou a perversão do bem. Este fato pode ser ilustrado pelo sal de
cozinha, que é um composto (ou mistura compacta) de duas matérias químicas: o
sódio e o cloreto. Estes dois elementos, em separado, são altamente mortíferos.
O sódio irrompe em chamas ao entrar em contato com a água, e o cloro é um
veneno fatal. Assim como a alteração na composição do sal, a criação perfeita
de Deus é mortífera quando o pecado lhe estraga o equilíbrio. Das quedas de
Satanás e de Adão surge todo o mal. Por isso, o mal natural provém do mal
moral. Todas as doenças provêm, em última análise, do mal, porém não
necessariamente do pecado daquele que está enfermo ao (Jo 9.1-3), embora este
possa ser o caso (Sl 107.17; Is 3.17; At 12.23). A grande ironia de Gênesis 1.3
é que tanto Deus quanto Satanás empregam a linguagem: Deus, num gesto criador,
para trazer à existência a realidade e a ordem ex nihilo; e Satanás, de modo
imitativo, para trazer engano e desordem. O mal depende do bem, e a obra de
Satanás não passa de imitação.
Por ter Deus a capacidade de impedir o mal
(isolando a árvore, por exemplo) e não o ter feito, e, por saber o que aconteceria,
parece que Ele permitiu que o mal surgisse (isto é muito diferente de
causá-lo). Segue-se que o Deus Santo viu que do permitir o mal surgiria um
maior bem. Eis algumas sugestões quanto à natureza desse bem:
a) que a humanidade amadureceria através do
sofrimento (cf. Hb 5.7-9);
b) que as pessoas poderiam amar a Deus livre e
sinceramente, uma vez que tamanho
amor só pode existir onde houver a possibilidade
do ódio e do pecado;
c) que as maneiras como Deus se expressa seriam
impossíveis de outra forma (tais como seu ódio ao mal, Rm 9.22, e seu amor
gracioso aos pecadores, Ef 2.7). Todos esses pontos de vista têm sua validade.
Descrever o pecado é uma tarefa difícil. Talvez a
dificuldade provenha da sua natureza parasítica, posto que não tem existência
em separado, mas é condicionado por aquilo a que se agarra. Mesmo assim,
delineia-se nas Escrituras uma imagem - algo camaleônica - da existência
derivada do pecado.
Há muitas sugestões a respeito da essência do
pecado: a incredulidade, o orgulho, o egoísmo, a rebelião, a corrupção moral, a
luta entre a carne e o espírito, a idolatria e combinações entre todos esses
itens. Embora todas essas idéias sejam informativas, nenhuma delas caracteriza
a totalidade dos pecados (os pecados da ignorância, por exemplo) nem explica
adequadamente o pecado como natureza (a pecaminosidade). De modo mais
significativo, todas definem o pecado. em termos de pecadores, que são muitos,
variados e imperfeitos. Parece preferível definir o pecado como algo cometido
contra Deus. Somente Ele é uno, consistente e absoluto, e a qualidade perversa
e iníqua do pecado é revelada contra o pano de fundo de sua santidade.
Talvez a melhor definição do pecado seja a
encontrada em 1 João 3.4: “O pecado é iniqüidade”. Seja o que mais o pecado
for, ele é, no seu âmago, uma violação da lei de Deus. E, já que “toda a
iniqüidade [gr. adikia, literalmente “injustiça”] é pecado” (1Jo 5.17), toda
injustiça quebra a lei de Deus. Por isso, Davi confessa: “Contra ti, contra ti
somente pequei” (Sl 51.4; cf. Lc 15. 18,2 1). Além disso, a transgressão
provoca a separação entre a pessoa e o Deus da vida e da santidade, que
necessariamente resulta na corrupção (inclusive a morte) da natureza humana
finita e dependente. Logo, essa definição do pecado é bíblica, exata, e abrange
todos os tipos do pecado; explica os efeitos do pecado sobre a natureza; e tem
Deus (e não a humanidade) como ponto de referência. Isto é, reconhecemos a
verdadeira natureza do pecado ao observarmos seu contraste com Deus, e não por
meio de comparar seus efeitos entre os seres humanos.
Embora os crentes não estejam debaixo da lei
mosaica, ainda existem padrões objetivos, passíveis de serem violados (Jo 4.21;
1Jo 5.3; os muitos regulamentos nas epístolas). Por causa da incapacidade
humana de cumprir a Lei, somente um relacionamento com Cristo pode suprir a
expiação para apagar o pecado e o poder para viver uma vida segundo a vontade
de Deus. O crente que ainda peca precisa confessar e, se possível, fazer
restituição, não visando a absolvição, mas para reafirmar seu relacionamento
com Cristo. É essa fé que sempre se contrasta com a “justiça segundo as obras”
(Hc 2.4; Rm 1.17; Gl 3.11; Hb 10.38), de modo que tudo quanto não é de fé é
pecado (Rm 14.23; cf. Tt 1.15; Hb 11.6). Por isso, o pecado - nos crentes ou
nos incrédulos, antes ou depois da crucificação - é sempre a violação da Lei, e
a única solução é a fé em Cristo.
Não se define o pecado por sentimentos, nem por
filosofias, mas somente por Deus, na sua lei, no seu desejo e na sua vontade. É
nas Escrituras que descobrimos esse fato de modo mais concreto. Embora, na
melhor das hipóteses, o coração do crente (no seu sentido mais lato) perceba o
que é o pecado (Rm 2.13 - 15; 1Jo 3.21), sua sensibilidade espiritual para com
o bem e o mal precisa ser aprimorada (Hb 5.14). O coração tem sido
desesperançosamente corrupto (Jr 17.9) e pode ser cauterizado (1Tm 4.2). Pode,
também, sentir falsa culpa (1Jo 3.20). Assim, os sentimentos subjetivos jamais
devem ser colocados acima da Palavra objetiva e escrita de Deus. Nem por isso,
entretanto, devemos deixar de ser espiritualmente sensíveis.
A idéia do pecado como uma violação da lei está
embutida na própria linguagem das Escrituras. O grupo de palavras hebraicas
representado por chatta’th (o assunto do pecado tem a idéia básica de “errar o
alvo” Jz 20.16; Pv 19.2). Essa idéia de alvo - ou padrão objetivo - permite a
referência aos pecados deliberados (Êx 10.17; Dt 9.18; Sl 25.7), a uma
realidade externa do pecado (Gn 4.7), a um padrão sistemático do pecado (Gn
18.20; 1Rs 8.36), aos erros (Lv 4.2) e às ofertas exigidas por causa dos
pecados (Lv 4.8). 'Awon (“iniqüidade”), proveniente da idéia de ser “torto” ou
“pervertido”, refere-se a pecados graves e muitas vezes forma um paralelo com chatta'th
(Is 43.24). O verbo 'avar fala em ir além de uma fronteira e, portanto
(metaforicamente), da transgressão (Nm 14.41; Dt 17.2). Resha' pode referir-se
a coisa errada (Pv 11.10) ou à injustiça (Pv 28.3,4).
Um grupo de palavras gregas representado por
hamartia é usado para o conceito genérico de pecado no Novo Testamento. Tem o
sentido básico de “errar o alvo” (assim como em chatta’th), e é um termo amplo,
originalmente sem conotação moral. No Novo Testamento, porém, refere-se a
pecados específicos (Mc 1.5; At 2.38; Gl 1.4; Hb 10.12) e ao pecado como uma
força (Rm 6.6,12; Hb 12.1). Anomia (gr. nomos, “lei”, mais o prefixo negativo a
- “sem lei”, “ilegalidade”, “iniqüidade”) e seus termos correlatos representam
provavelmente a linguagem mais contundente para o pecado. O adjetivo e o
advérbio talvez se refiram àqueles que não têm a Torá (Rm 2.12; 1Co 9.21), mas
a palavra usualmente identifica qualquer pessoa que violou alguma lei divina
(Mt 7.23; 1Jo 3.4). E, também,
injustiça” de 2 Tessalonicenses 2.7-12.
Outro termo para o pecado, adikia, é mais
literalmente traduzido por “ilegalidade” (mais comumente “iniqüidade”, em nossas Bíblias ) e
varia desde um mero engano até violações grosseiras da lei. É grande injustiça
(2Pe 2.13-15) e contrasta-se com a justiça (Rm 6.13). Parabasis (“passar além”,
“transgressão”) e seus derivados indicam o violar um padrão. A palavra descreve
a Queda (Rm 5.14; cf 1Tm 2.14), a transgressão da lei como pecado (Tg 2.9,11) e
a perda do apostolado de Judas (At 1.25). Asebeia (“impiedade” - o prefixo
negativo a com sebomai [“reverenciar”, “adorar” etc.]), sugere uma
insensibilidade espiritual que resulta em pecado grosseiro (Jd 4) e grande
condenação (1Pe 4.18; 2Pe 2.5;3.7).
A idéia do pecado como quebra de lei e como
desordem evidencia um contraste marcante com o Deus pessoal que, pela sua
palavra, trouxe à existência um mundo ordeiro e bom. A própria idéia de uma
personalidade (humana ou divina) exige ordem. A ausência desta dá origem ao
termo técnico “desordem da personalidade”.
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine
o nosso entendimento
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